SINOPSE: “Adèle é uma adolescente que enfrenta os desafios da chegada da maturidade. Sua vida toma um rumo inesperado ao conhecer uma encantadora garota de cabelo azul, com quem começará uma intensa relação e uma viagem de descobertas e prazer.”

Existem filmes que ganham notoriedade apenas por cenas específicas, principalmente se em algumas matérias vier com títulos como: “o filme que chocou a todos que estavam na exibição” ou “o filme com uma longa cena de sexo”, e esse é o caso de Azul é a Cor Mais Quente, que também ficou conhecido pelas polêmicas envolvendo o diretor do filme e as duas atrizes protagonistas da história.
É um tanto complicado avaliar um filme pelos bastidores, pois ao mesmo tempo parece que estamos passando pano para qualquer situação em nome da arte. Há pessoas por exemplo que consideram o filme Último Tango em Paris como uma obra-prima, mesmo tendo conhecimento do ocorrido com a atriz Maria Schneider, e claro que ao sabermos a verdade, assistir a cena se torna ainda mais repulsiva.
Acho importante trazer esses questionamentos antes de fazer uma análise de qualquer filme que seja, principalmente quando temos conhecimento acerca de situações dentro dos bastidores. Agora se a opinião sobre um filme mudar, cabe a cada um decidir como pretende enxergá-lo agora. É um assunto que ainda não há consenso, mas é muito importante de se debater.
Sobre o filme Azul é a Cor Mais Quente ou ainda A Vida de Adèle, que no meu entendimento, este segundo é um título que mais faz sentido a história, pois é o que acompanhamos durante as 3 horas de filme, o desenvolvimento de Adèle, suas descobertas, seu amadurecimento, desde o período da adolescência até chegar à fase adulta, onde também se contrasta com suas confusões mentais, seus dilemas, suas falhas e suas descobertas.

O filme é um exemplo de coming of age, e que vai mostrar as principais etapas da vida de Adèle, onde estamos sempre próximos a ela, não a toa o filme utiliza vários close-ups, sempre trazendo a protagonista para bem perto de nós, seja nos seus momentos de intimidade, seja comendo de boca aberta, seja chorando e com o nariz escorrendo. E esse é um grande exemplo recorrente na vida de qualquer adolescente, se uma hora chora, na outra está animada fazendo parte de uma passeata com seus amigos. Mas o fato é que o filme começa a abordagem acerca do desenvolvimento social de Adèle, mais especificamente voltado aos seus relacionamentos e como o seu círculo social tem influência nisso, pois de cara ela começa um breve relacionamento com um cara que claramente não tinham muito em comum, algo bem evidente nas conversas dos dois, e mesmo tendo sua primeira vez com ele, Adèle não se mostra contente e termina seu breve namoro.
É logo em seguida que o filme vai entrar e se aprofundar na questão da orientação sexual de Adèle, o que ocorre logo após um beijo que recebe de uma amiga, mas que logo em seguida a entristece por não ser algo correspondido. A convite de um amigo, Adèle o acompanha até uma boate gay, mas instantes depois, talvez movida pela curiosidade, a moça acaba entrando em uma boate lésbica, onde conhece Emma, uma moça de cabelo azul, ao qual Adèle teve um breve contato visual alguns dias atrás.
As conversas das duas se mostram mais profundas e interessantes, e logo de cara Adèle sente uma forte conexão com Emma, e as duas começam um relacionamento intenso, mesmo Adèle sendo vítima de preconceito por parte de suas amigas, que não aceitam o fato de que ela possa ser lésbica.
E é aqui que começa a polêmica. Mesmo que não tenhamos noção de tempo, mas especificamente quanto tempo já passou desde que as duas se conheceram, entende-se que elas já tem uma certa intimidade e um relacionamento mais profundo, onde acontece a primeira relação das duas e junto, a cena que tornou o filme tão comentado. E de fato é uma cena longa, pode até ser incômoda de se assistir, (no caso se você assistir na sala com a família por perto) mas ela não é uma cena feita apenas com o intuito de ser expositiva ou atiçar hormônios, pois é algo que faz parte do desenvolvimento de Adèle e suas novas experiências, e como estamos acompanhando sua vida bem de perto, o sexo é algo que agora faz parte de sua vida, e toda a sua entrega aos momentos com sua nova namorada.

Agora há um debate acerca das diferenças entre as duas, principalmente na questão de classe social, pois enquanto podemos dizer que a condição financeira de Adèle não é das melhores, o mesmo não podemos dizer de Emma, que é uma aspirante a pintora e já tem um futuro bem encaminhado nesta área. Ainda há a questão da diferença entre os pais, pois os pais de Adèle são conservadores e dificilmente aceitariam que a filha namorasse uma outra mulher, já os pais de Emma que também são da área artística, sabem e aceitam a orientação sexual da filha. Mesmo com essas diferenças, as duas fazem parte agora do mundo da outra e se mostram interessadas nos gostos de cada uma.
O filme entra em uma segunda parte com as duas já na fase adulta. Emma já trabalha como pintora e Adèle é professora de crianças. Por mais que não tenhamos ciência de quantos anos se passaram exatamente, fica claro que os mesmos questionamentos de diferenças de classes sociais ainda permanece, e é muito evidente na sequência onde há uma festa na casa das duas, mais especificamente uma festa para receber os amigos de Emma, todos fazem parte do meio artístico e sempre parecem ser intelectuais, cultos, com níveis de estudos avançados e principalmente sempre tendo uma opinião sobre tudo. Adèle se sente deslocada nesse evento e começa a entrar em outros questionamentos de sua vida, principalmente relacionados a sua formação e seu trabalho.
Algo que também muda entre essa transição de idade das duas, é a fotografia, que muda de acordo com o momento atual, pois logo no início até o começo do relacionamento, vemos uma fotografia com tons mais claros, em predominância do azul. Já na segunda parte do filme, essas cores se perdem um pouco mais, e boa parte da ambientação do filme acontece em locais fechados, como se literalmente indicando o começo da perda de cores no relacionamento das duas, que é até mesmo refletido nos cabelos de Emma.
As atuações de Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux, respectivamente Adèle e Emma, são bem naturais e espontâneas, em destaque para a atuação de Exarchopoulos que com simples expressões, passa insegurança, incertezas, conjugado com um belo trabalho de cabelo e maquiagem, ao longo do filme vemos o cabelo de Adèle de uma forma mais bagunçada, passando uma sensação de descuido, conforme o filme avança, ela vai mudando de penteado demonstrando uma certa maturidade. E talvez a escolha de que o nome da atriz fosse o mesmo da personagem, deve ter ajudado muito no seu processo de desenvolvimento.
Azul é a Cor Mais Quente não é bem um filme sobre a descoberta de orientação sexual, mesmo que o filme crie debates sobre Adèle ser lésbica ou bissexual, o que de fato poderíamos concluir ou apenas pensar sobre as atitudes dela que possam levar a uma conclusão. Mas acima de tudo é um filme que passa a naturalidade da vida de uma adolescente, conforme ela vai crescendo, aprendendo coisas sobre a vida e aprendendo mais sobre si mesma, com os sentimentos mais genuínos do ser humano, e é óbvio que na busca de realização também somos fadados a cometer erros, o que não significa exatamente que somos pessoas ruins, somos imperfeitos, que de um certo modo tentamos atingir a perfeição, e Azul é a Cor Mais Quente ou A Vida de Adèle entende a importância desse sentimento.

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