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Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971) - Análise

Foto do escritor: Caio BotelhoCaio Botelho

Atualizado: 7 de jun. de 2024

SINOPSE: O jovem Alex, passa as noites com uma gangue de amigos briguentos. Depois que é preso, se submete a uma técnica de modificação de comportamento para poder ganhar sua liberdade.


Pôster Laranja Mecânica

Existem filmes que a princípio podem nos causar repulsa, e que nos dão a sensação de que jamais o veremos novamente. Assim foi a minha reação ao assistir Laranja Mecânica pela primeira vez, filme ao qual assisti novamente pelo menos umas três vezes mais. 


Talvez isso já abriria margem para um questionamento, pois se eu odiei tanto assim a primeira vez assistida, porque fiz questão de reassisti-lo tantas outras vezes? Ou será que talvez eu não odiei tanto assim? Bom, o fato é que realmente se trata de um filme com muitos momentos que traz repulsa aos espectadores, mas ao mesmo tempo desperta um pouco da nossa curiosidade e do nosso voyeurismo.


O fato é que o filme nos torna cúmplices de Alex DeLarge, e conseguimos sentir isso de forma subliminar, talvez por isso a repulsa, pois estamos apenas observando Alex e seus drugues cometerem vários atos de ultraviolência pela cidade, e como a única coisa que fazemos é observar, estamos acobertando vários crimes, e como Alex também é o narrador da história, ele está ali conversando diretamente conosco.



Alex DeLarge_Laranja Mecânica


De forma bem resumida, Laranja Mecânica é um filme que vai abordar acerca da realocação do pior dos delinquentes dentro da sociedade, e de uma certa forma fazer com que ele sinta repulsa e nojo (literalmente) por quem ele já foi um dia. E aqui começam as principais abordagens do filme.


Antes de tudo, devemos mencionar o fato de que a direção está nas mãos de Stanley Kubrick, um diretor exigente, metódico e chato, mas ao mesmo tempo com um grande conhecimento em se tratando de linguagem audiovisual, logo talvez devêssemos nos perguntar se Kubrick fez um filme não para ser apreciado, e sim para nos fazer refletir. Afinal de contas, como já havia dito, ele conduz uma produção onde nos faz ter a sensação de que somos cúmplices de Alex, mesmo que a princípio o nosso sentimento seja de revolta com todos os atos que ele vinha cometendo, principalmente contra pessoas que sequer tiveram a oportunidade de se defender. Mas como o Alex é narrador da história e conversa diretamente conosco, ele exprime todos os seus sentimentos para nós, esteja feliz, com raiva, triste ou até mesmo quando ele se enxerga como vítima de injustiças.


Alex_Drugues


Como exemplo, podemos citar um dos momentos do filme, que é o estupro da esposa do escritor, e que gera revolta pois o ato acontece simplesmente a troco de nada, com suas vítimas totalmente imobilizadas sem poder se defender, e mesmo que a cena do ato em si não seja mostrada, só a sugestão basta para sentirmos repulsa. Mas ao mesmo tempo é importante frisar como essa cena foi construída, como se a intenção da cena fosse: “apenas apreciem o corpo dela e esqueçam do que está acontecendo”, e mais uma vez, voltamos a ser cúmplices de Alex, mesmo que a princípio tenhamos ficado revoltados com ele.


Alex é apaixonado por Beethoven, e o chama carinhosamente de Ludwig van, e esse é um fator muito importante para o resto da história. Mas antes, a trilha sonora de Beethoven já vinha se fazendo presente no filme, tanto de forma diegética, quanto de forma extradiegética, e por vezes tocava de maneira ininterrupta, o que em dado momento acaba por ficar irritante, primeiro por ouvirmos as músicas a todo momento, e segundo, pela trilha tocar em momentos que não condizem com ela, como por exemplo enquanto Alex ataca a instrutora de yoga. Mas é até interessante de se pensar em como o filme utiliza esse sentimento tanto no espectador, quanto no protagonista, o que viria acontecer mais tarde, quando Alex é finalmente submetido à técnica Ludovico e é forçado a assistir as piores atrocidades ao som da nona sinfonia de Beethoven.


Existe um estudo da neurociência que é aplicada dentro da arquitetura chamada de neuroarquitetura, e basicamente consiste em um estudo de análise dos impactos do ambiente físico no comportamento humano. Vejamos por exemplo os reality shows como Big Brother Brasil, onde a decoração da casa é algo irritante de se olhar, e isso é proposital justamente para afetar negativamente o humor dos participantes (para mais informações, disponibilizei esse post, que trata de forma mais aprofundada). Mas o que isso tem haver com Laranja Mecânica? Bom, logo nas sequências iniciais do filme, nos deparamos com um design de produção muito irritante de se ver, mas com certeza feito de forma proposital justamente pensando em todo tipo de reação que nós que estamos assistindo vamos ter, pois se já estamos revoltados com os atos de Alex, com a repetida trilha sonora de Beethoven, o design de produção com cores vibrantes seria apenas um complemento para tudo isso. Mas é interessante que ao longo do filme, essas cores vão se perdendo, o design muda, e junto com eles, os nossos sentimentos também mudam.


Quando finalmente Alex começa a ser submetido a técnica Ludovico e começa a apresentar os primeiros resultados, entramos em um outro tipo de questionamento, como o fato de debater as questões éticas, políticas e legais envolvendo todo o tratamento, e agora começamos a nos importar com o protagonista, que desde o início do filme não tivemos problemas em odiá-lo, algo que ajuda pelo fato dele estar desabafando conosco sobre o quanto ele estava sendo injustiçado.


Laranja Mecânica é sim um filme que indigna, que choca, que nos dá um sentimento de revolta, mas ao mesmo tempo é um filme que nos abre debates acerca de procedimentos de lavagens cerebrais que prometem transformar até mesmo um assassino em série, em um santo, e mesmo que nós saibamos o quão ruim são essas pessoas, nos questionamos se elas realmente merecem passar por tudo isso para se reintegrarem a sociedade, e se de fato a sociedade estaria pronta para recebê-los.


Técnica Ludovico_Laranja Mecânica


 
 
 

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